Tontura? Quem nunca sentiu alguma vez na vida?! Suas causas são as mais variadas, passando por anemia, pressão arterial baixa, hipoglicemia e a tal labirintite. E por falar em labirintite, já chegou a imaginar que talvez não seja bem isso mesmo e que tomar o remédio pode não ser o mais adequado para seu caso?
Bom, é claro que como seres humanos não somos obrigados a conhecer essa dimensão 'complexa' e portanto não devemos nos culpar caso o diagnóstico da nossa tontura seja labirintite. No entanto, como profissionais da saúde, é mais do que nossa obrigação estarmos atentos a esses detalhes, pois um diagnóstico mal feito é seguido de condutas/ tratamentos inadequados.
Aqui, vou tentar escrever algo mais detalhado para que meus colegas da saúde tenham o entendimento dessas diversas causas, contudo, gostaria de poder deixar claro aos demais para ficarem atentos quanto aos diagnósticos dados e mal investigados.
Entender o Sistema Vestibular é de grande importância para a avaliação de um paciente que se queixa de tontura. Ele é composto, então, por 3 canais semicirculares responsáveis por detectar a aceleração angular, e por 2 estruturas - sáculo e utrículo - que detectam a aceleração linear (inclusive a gravitacional).
Esses órgãos apresentam células ciliares, que no caso dos canais semicirculares, o movimento da cabeça vai encurvar essas células de forma a excitar ou inibir o impulso do nervo aferente. Além disso, o conjunto de canais de um lado estão posicionados quase em espelho do conjunto do outro lado fazendo com que o movimento de rotação da cabeça excita um canal ao mesmo tempo que inibe o canal semelhante do lado oposto. Enquanto que as células ciliares deles estão embebidas em uma massa gelatinosa (cúpula), as do sáculo e utrículo estão embebidas na membrana otolítica (composta por cristais de carbonato de cálcio) cuja densidade é maior do que a da endolinfa. Da mesma forma que as células ciliares dos canais semicirculares, o encurvamento das células ciliares do sáculo e do utrículo determina a atividade das terminações nervosas aferentes.
As fibras aferentes formam o oitavo nervo craniano (nervo vestíbulococlear) juntamente com o nervo coclear e terminam nos núcleos vestibulares. Nos núcleos vestibulares, os neurônios de segunda ordem fazem conexão com o lado oposto, com o cerebelo, neurônios motores da medula espinhal, núcleos de sistema oculomotor e tálamo, sendo que esse último leva as informações para o córtex. Existem conexões diretas também que vão para o cerebelo. Após, a informação chega nas células ciliares pelas fibras descendentes que passam do tronco cerebral para os núcleos vestibulares.
Diferenciando os tipos de tontura
Como já mencionado anteriormente, as causas são diversas e uma vez que a maior confusão de diagnóstico e tratamento são as que possuem origem alguma alteração no Sistema Vestibular, não vou comentar aqui a respeito das tonturas causadas por disfunção ventilatória, alteração da pressão arterial, de composição sanguínea e afins.
Olha só o que sua "labirintite" pode ser:
1. Vertigem Fisiológica: proveniente de causa desconhecida que se relaciona com cinetose, mal-estar espacial e vertigem induzida por altura.
Nos casos de vertigem induzida por altura, o indivíduo costuma experimentar reações de pânico e ansiedade aguda. Sentar-se ou olhar fixamente para um objeto parado pode aliviar os sintomas.
Já nos casos de cinetose e mal-estar espacial, os sintomas encontrados são náusea, vômito, sialorréia, mal-estar generalizado, com comprometimento da motilidade gástrica e digestiva. Esses sintomas podem persistir por momentos após voltarem à terra firme, sendo pouco comum a persistência por meses ou anos após a exposição ao movimento.
2. Vertigem Posicional Paroxística Benigna (VPPB):
Mecanismo: ocorre pelo desprendimento e deslocamento traumático ou espontâneo dos cristais de cálcio do utrículo e do sáculo que migram para um dos canais semicirculares, mais comumente o posterior, seguido pelo anterior e em raras vezes o horizontal. Se os cristais estão livres na endolinfa, denomina-se canalitíase, contudo, se eles se fixam na cúpula da crista ampular o nome dado é cupolitíase.
Sintomas: Breves episódios de vertigem (30s à 2 min) após uma alteração rápida da posição da cabeça, porém perda auditiva, zumbido e sensação de entupimento não são encontrados.
*Normalmente é unilateral, ocorrendo em torno de 10% bilateralmente nas causas espontâneas e 20% nas traumáticas. Pode ainda desaparecer espontaneamente, entretanto, é comum o retorno dos sintomas.
Testes:
a) Manobra de Hallpike-Dix
Figura 2: manobra de Hallpike-Dix
Paciente sentado - deitado a cabeça deve ficar para fora da maca - com MsIs estendidos; Examinador posicionado para o lado que vai ser realizada a manobra, coloca as mãos sobre as orelhas do paciente e realiza rotação de cabeça em torno de 45 graus. Leva, então, o paciente para DD, com a cabeça em 30 graus de extensão e para fora da maca mantendo fixa a rotação. Positivo: se vertigem e nistagmo.
Tipos de nistagmos:
- Batimento para cima: acometimento do canal posterior;
- Batimento para baixo: acometimento do canal anterior;
- Torção para a direita: acometimento à direita;
- Torção para a esquerda: acometimento à esquerda;
- Duração maior que 1 minuto: canalitíase;
- Duração menor que 1 minuto: cupolitíase.
Ex.: Nistagmo vertical para cima, torsional para a direita e por mais do que 1 minuto = Vertigem Postural Paroxística Benigna no canal posterior direito. Canalitíase.
Em seguida, o paciente deve ser sentado pelo examinador, reproduzindo novamente os sintomas.
b) Hallpike-Dix modificada
Paciente sentado no centro da maca com os pés pendentes, roda a cabeça para o lado oposto a ser testado. O examinador mantém a cabeça do paciente fixa e deita para o lado a ser testado.
c) Manobra para o canal horizontal:
Paciente em DD, examinador flete a cabeça aproximadamente 30 graus e solicita que o paciente gire a cabeça rapidamente e o mais amplo possível para um dos lados. Positivo se vertigem e nistagmo.
Tipos de nistagmos:
- Geotrópico: a favor da gravidade e menos que 60 segundos = canalitíase no canal horizontal do lado da rotação;
- Ageotrópico: contra a gravidade e mais do que 60 segundos = cupolitíase no canal horizontal do lado da rotação.
Tratamento:
a) Manobra de Epley: para canalitíase de canal anterior ou posterior.
Posicionamento igual ao da Manobra de Hallpike-Dix, com rotação de cabeça para o lado da lesão. Mantém a postura de DD por 1 minuto e meio. Após, mantendo a extensão da cabeça, ela deverá ser rodada em direção do joelho contralateral sustentando a posição por mais um minuto e meio. Em seguida, deverá rolar em bloco para esse lado mantendo por mais 1 minuto e meio. Se todos os passos realizados foram corretos, o paciente termina olhando em direção ao chão e mantendo a rotação da cabeça; será conduzido a sentar-se.
*Pode realizar até 4 vezes na mesma sessão, porém com intervalos de 20 minutos cada e verificando se há mesmo necessidade de 2,3, ou 4 vezes. Deve-se orientar o paciente a não dormir de lado sobre o ouvido afetado por mais ou menos 3 dias e evitar movimentos bruscos nesse período.
Reavaliar após 1 semana. Repetir a manobra ou solicitar para o paciente realizar os Exercícios de Habituação de Brandt Daroff (o exercício é semelhante à manobra de Semont) em casa, se houverem sintomas ainda. Devem ser realizados 2 ou 3x/dia de pelo menos 4 repetições.
b) Manobra de Semont ou Liberatória: para cupolitíase de canal anterior ou posterior.
O posicionamento é o mesmo da manobra de Dix modificada.
A rotação de cabeça é para o lado contrário da VPPB, porém deita para o decúbito lateral da lesão ficando por 2 minutos. Na sequência, o examinador mantém a cabeça do paciente fixa em rotação e passa para o DL contralateral à lesão (paciente fica com face voltada para a maca) permanecendo por 2 minutos e voltando para a posição sentada logo após, ainda com a cabeça rodada.
Figura 3: manobra de Semont ou Liberatória.
c) Manobra de Barbecue: para VPPB do canal horizontal.
Paciente em DD, fisioterapeuta flete a cabeça a 30 graus e roda para o lado até a máxima amplitude possível, permanecendo por 1 minuto. O próximo passo é ficar por 5 segundos com a cabeça na linha média e logo rodar ela para o lado oposto, por 1 minuto. Paciente, então, roda para DV pelo lado da última rotação da cabeça. Finalização: paciente desce da maca em DV, ficando em pé.
3. Síndrome de Meniére: é episódica e caracterizada pelo aumento da quantidade de endolinfa no labirinto, normalmente devido a sua má absorção pelo ducto e saco endolinfático por alteração do osso temporal, obstrução e etc.
Sintomas: sensação de ouvido entupido, zumbidos, nistagmo, náusea, vômito, níveis flutuantes de audição, e desequilíbrio postural, o qual persiste por cerca de 30 minutos a 24 horas com o paciente voltando a andar em 72 horas, sendo que pode persistir de forma menos intensa por dias ou semanas.
O envolvimento bilateral varia de 33 a 50% dos casos.
Tratamento: derivados de histamina para a melhora da microcirculação; supressores vestibulares para a crise; e exercícios de compensação do equilíbrio pela visão e propriocepção apenas nos casos de perda permanente da função vestibular.
4. Vertigem Pós-traumática: ocorre devido à lesão no nervo vestibulococlear por um trauma ou devido a uma fístula na janela oval ou redonda por alteração de pressão no ouvido médio como consequência do mergulho em águas profundas, do exercício severo, ou de lesão craniana cortante sem fratura de crânio.
Sintomas: vertigem e perda auditiva.
Tratamento: repouso (5-10 dias) ou tratamento cirúrgicos. Os exercícios são indicados apenas para os sintomas remanescentes.
5. Vestibulopatia Periférica Aguda: etiologia incerta. Provavelmente viral.
Sintomas: vertigem de início súbito, náuseas, vômitos, nistagmo horizonto-rotatório e desequilíbrio postural. Sintomas desaparecem de forma gradual após 24-72h com melhora em 1 a 2 semanas, embora o equilíbrio retorne apenas dentro de 6 semanas.
Tratamento: inicialmente medicamentoso (supressor vestibular) e com repouso, dando-se continuidade com cinesioterapia vestibular.
6. Síndrome pós-concussão: etiologia desconhecida, porém os sintomas aparecem após uma lesão cerebral concussiva, ou seja, sintomas neurológicos sem lesão cerebral identificada (danos microscópicos).
Sintomas: tonteira vaga associada a ansiedade, dificuldade de concentração, cefaleia, e fotofobia.
Otomastoidite bacteriana crônica, diversos medicamentos, insuficiência vertebrobasilar e tumores no ângulo cerebelopontino também são causas periféricas que levam à tontura/ vertigem. Enquanto que a esclerose múltipla, encefalomielite parainfecciosa, Síndrome de Ramsay Hunt, meningite granulomatosa, vasculite cerebral e epilepsia do lobo parietal são outras causas centrais da vertigem. Nesses casos, exames complementares auxiliam no diagnóstico.
Exames Complementares
1. Teste Calórico:
Indução do fluxo endolinfático no canal semicircular horizontal e nistagmo horizontal através de um gradiente de temperatura. A mudança de temperatura no ouvido médio modifica a densidade da endolinfa provocando correntes de convecção que estimulam as células ciliares.
- Estímulo gelado: faz com que a endolinfa desça e se dirija em direção ao canal.
- Estímulo quente: faz com que a endolinfa suba e se dirija em direção à ampola.
2. Eletronistagmografia:
Registra o movimento dos olhos e nistagmos em diferentes testes (vistos logo adiante), inclusive no teste calórico.
3. Audiometria:
- Teste com tons puros: Através de um fone de ouvido, tons puros são emitidos; ou por um vibrador pressionando o osso temporal. O nível mínimo escutado pelo indivíduo é determinado para cada frequência.
- Teste limiar de recepção de fala: intensidade que o paciente consegue repetir corretamente 50% das palavras apresentadas.
- Teste de discriminação da fala: medida da capacidade do paciente de compreender a fala quando é apresentada em um nível que é facilmente ouvida.
- Teste de equilíbrio de sonoridade binaural alternante: testa o recrutamento, comparando a percepção da sonoridade de tons de intensidades diferentes pelo ouvido patológico e normal.
Teste da queda do tom, da fala distorcida, estimulação dicótica, impedância acústica, timpanometria, e a contração do músculo estapédio e os potenciais auditivos evocados do tronco cerebral (PAETC) também são realizados para avaliar alterações na audição.
Exame Físico
1. Oculomotor:
Nesses testes o paciente fica sentado com as costas apoiadas.
1.1 Amplitude de movimento ocular:
Examinador move o dedo de um lado para o outro, para cima e para baixo explorando a maior amplitude de movimento do paciente. Positivo: sácadas (pequenos movimentos) corretivas = instabilidade no olhar.
1.2 Nistagmo espontâneo:
*Teste deve ser verificado com pouca luminosidade.
Examinador verifica se há nistagmo em repouso. O nistagmo é na direção oposta ao lado da lesão. Positivo = lesão aguda do nervo vestibular.
1.3 Nistagmo semi-espontâneo;
Examinador move o dedo para os lados (angulação de mais ou menos 30 graus). Pausa e verifica se há nistagmo. Se sim, continua movimentando o dedo na mesma direção e depois inverte. Se ele aumenta para o mesmo lado e diminui com a mudança de direção = disfunção periférica.
1.4 Skew deviation:
Um olho do paciente é tapado, enquanto o outro fixa no nariz do examinador. De forma rápida e para cima, o examinador destapa o olho e observa o alinhamento de ambos os olhos. Repete procedimento para o lado oposto.
Positivo: queda do alinhamento dos olhos = lesão utricular do lado tapado/ destapado.
1.5 Sacádico:
Examinador posiciona seu dedo para a lateral (mais ou menos 30 graus) e solicita ao paciente para que olhe fixamente para o dedo, e para o nariz alternadamente. O teste obriga o paciente a realizar movimentos sacádicos com os olhos.
1.6 Perseguição visual:
Examinador move ininterruptamente o dedo dentro dos 30 graus para cada lado, pedindo para que o paciente acompanhe. Observa se há fluidez e harmonia no movimento.
1.7 RVO lento:
Mãos do examinador na lateral da cabeça do indivíduo. Realiza flexão da cabeça de 30 graus e solicita que continue olhando fixo para a frente. Ele move a cabeça do paciente de um lado para o outro, para cima e para baixo. Positivo: caso o movimento dos olhos for mais lento que o movimento da cabeça. Lesão = lado em que a cabeça foi rodada no teste.
1.8 Thurst cefálico:
Mesma posição do teste anterior (RVO lento), porém o movimento é repentino, único e rápido para um dos lados, e depois para o outro. Positivo: movimento dos olhos mais lento que o da cabeça. Lesão = lado em que a cabeça foi rodada no teste.
1.9 Agitação cefálica:
Mesma posição do RVO lento, entretanto, o examinador move de forma rápida, rítmica e contínua a cabeça do paciente, agitando em torno de 20 vezes. Nesse teste, o paciente fica de olhos fechados, e abre somente após a agitação. Positivo: nistagmo = lesão do lado oposto ao movimento involuntário dos olhos.
*Não realizar caso a suspeita for VPPB.
2. Teste da artéria vertebral:
Paciente sentado, roda 45 graus a cabeça e inclina tronco para a frente extendendo-a lentamente. Orelha deve ficar no mesmo plano em relação ao chão. Fica na posição por 1 minuto. Positivo: vertigem ou tontura = vertigem cervicogênica.
3. Avaliação de equilíbrio:
- Romberg;
- Prova de Passos de Fukuda;
- Tinetti;
- Berg;
- IDM, entre outros.
REFERÊNCIAS:
Goldman Lee, Ausiello, Dennis. Cecil, Tratado de Medicina Interna. Guanabara Koogan. 20ª Ed. Rio de Janeiro; 1997.
Azevedo, Camila Cavalcanti Fatturi de. Manual de Orientação Básicas para o Grupo de Reabilitação Vestibular do Centro de Saúde IAPI. 2013.
Gonçalves, Denise Utsch; Felipe, Lilian; Lima, Tânia Mara Assis. Interpretação e Utilidade da Prova Calórica. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia. 2008; 74 (3).